terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A prudência.


O mundo atual padece de uma grave epidemia: a falta de rumo. As pessoas, em geral, não têm ideia de qual é a sua finalidade última. A falta de direção atinge não somente as pessoas, mas a própria Igreja como um todo e isso tem uma causa muito clara: a imanentização do fim último do ser humano.Parece ser algo muito difícil de se compreender, mas não é. Primeiro é preciso recordar que a finalidade da vida humana está na vida eterna, da mesma forma que a finalidade da história está na meta-história, a finalidade do mundo está fora dele e assim por diante [01]. Todavia, por causa da acusação marxista de que falar de vida eterna, de céu, inferno etc., é alienante, atualmente ninguém mais fala sobre esses temas, temendo justamente ser tachado de “alienado". A imanentização, portanto, é centrar-se no hoje, naquilo que pode ser experimentado. É o agora.

Ocorre que deixar de falar da finalidade última do homem destrói a vida espiritual como um todo e até mesmo as virtudes que se tenta ordenar tornam-se sem sentido por falta de direção. Por isso, é preciso potencializar justamente a virtude que permite a ordenação de todas as outras: a virtude da prudência.Na linguagem comum, a palavra “prudência" significa uma espécie de cautela, esperteza… mas, na tradição da filosofia perene, de Santo Tomás de Aquino, é a virtude que dispõe os meios para se alcançar o fim. Ora, o ser humano em seu agir tem uma finalidade, uma direção, diferentemente dos animais, por exemplo, que quando amanhece, esperam pelo anoitecer e quando anoitece, pelo amanhecer e assim dia após dia. Eles não têm uma meta, não têm uma vocação. Mas o agir humano tem essa meta, tem sede de realização, isso é inegável e pode ser comprovado apenas com um olhar para dentro de si mesmo.

A partir disso, o homem passa a determinar os meios que precisará dar para alcançar o seu fim último, a sua realização. Ora, estando num ambiente de Igreja, por exemplo, em que ninguém mais fala do céu, da vida eterna, mas, ao contrário, conclamam para trabalhar e fazer uma “sociedade mais justa", “um mundo melhor" o que ocorre é que claramente mudou-se o fim. Nesse momento, todo o edifício mora e, toda espiritualidade caem por terra.

Jean Lauand, em sua obra “Prudência, a virtude da decisão certa", afirma que “para Tomás de Aquino, sem a prudência não há nenhuma virtude"[02]. Trata-se de uma afirmação bastante grave e o autor cita Tomás em outra frase não menos chocante, retirada do “Comentário às sentenças", quando diz que “sem a prudência, as demais virtudes quanto maiores fossem, mais danos causariam." Ora, se uma pessoa é casta, mas a finalidade de sua castidade não é o céu, essa pessoa simplesmente não é casta. A sua castidade não é virtude, é cosmético, boas maneiras, mas não virtude.Diante disso é possível vislumbrar a tragédia que assola a Igreja Católica. O silêncio a respeito do céu, da vida eterna, do fim último está levando ao esvaziamento das virtudes. Na Suma Teológica, Santo Tomás responde à pergunta: “Pode haver prudência nos pecadores?"[03] dizendo:

A prudência pode ter três sentidos. Há, com efeito, uma prudência falsa, ou por semelhança. Com efeito, dado que o homem prudente é aquele que dispõe acertadamente o que deve ser feito em vista de um fim bom, todo aquele que dispõe, em vista de um fim mau, algumas coisas conformes a este fim, possui uma falsa prudência na medida em que toma como fim não um bem verdadeiro, mas uma semelhança de bem; (...) 
A segunda prudência é verdadeira porque enconra os caminhos adequados ao fim verdadeiramente bom, mas é imperfeita por dois motivos. Primeiro, porque este bem que ela toma como fim não é fim comum de toda vida humana, mas de alguma coisa especial. (...) O segundo motivo, é que falta aqui o ato principal da prudência. É o caso daquele que delibera com acerto e julga exatamente, mesmo a respeito daquilo que concerne à vida inteira, mas não comanda eficazmente. 
A terceira prudência, verdadeira e perfeita ao mesmo tempo, é aquela que delibera, julga e comanda retamente em vista do fim bom da vida toda.

Ora, a epidemia mencionada reside justamente na alta incidência de prudência imperfeita, pois as pessoas não escolhem realizar o fim último de suas vidas, que é a vida eterna. E, infelizmente, a prudência imperfeita, diz Santo Tomás, “é comum aos bons e aos maus, sobretudo aquela que é imperfeita em razão de seu fim particular". O que se vê comumente é que as pessoas procuram a direção espiritual para resolver problemas próximos, imediatos e, sim, é possível resolvê-los topicamente, contudo, se não for ordenado o fim último (céu, santidade, servir a Deus etc.), as virtudes de que se dispõe de nada adiantam, pois não são verdadeiramente virtudes, conforme já visto.Uma distinção importante acerca da prudência deve ser feita também, pois existe a prudência adquirida e a prudência infusa. Quem explica é o Padre Reginald Garrigou-Lagrange em sua obra “As três idades da vida interior", volume III, capítulo 8, quando diz que aquele que possui a prudência verdadeira escolhe o que em filosofia clássica de denomina fim honesto, em vez do fim útil que pode até ser bom, mas não é o verdadeiro. Já o fim honesto pode ser alcançado de duas maneiras: p

ela razão, quando então é chamada de prudência adquirida que é boa, necessária e deve ser cultivada; e pela fé, denominada prudência infusa, pois a revelação, a graça propicia ao homem enxergar melhor certas coisas.

O Pe. Garrigou-Lagrange ensina que promover o fim honesto racional é procurar viver a castidade, a humildade e a paciência, pois essas três ações colaboram para que atitudes prudentes sejam tomadas. De forma clara, significa usar a inteligência para colocar em ordem os apetites: concupiscível com a castidade, irascível com a paciência e a vontade com a humildade.Mas isso só não basta: quando o homem conhece a caridade, a cruz de Cristo enxerga que há algo mais. Uma outra prudência nasce e diz que o seu fim último não é somente aquele que a razão alcança, mas um que foi revelado. A partir da caridade, a virtude da prudência passa a crescer de forma extraordinária, tal como a dos santos. E ela se torna princípio de ação, enquanto que a falsa prudência - epidêmica - faz com que as pessoas não decidam nada.

A prudência infusa é iluminada pela fé e faz com que o homem viva em sintonia com a caridade, com o amor de Cristo, levando-o cada vez mais a se doar, como os santos, de tal forma que, aos olhos humanos, certas atitudes podem ser tomadas até mesmo como imprudentes, mas no fundo são atos de verdadeira prudência, pois é como Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou: “quem quiser se salvar vai se perder, mas quem se perder por amor a mim, vai se salvar"[04]. Essa é a verdadeira prudência. 

Referências
  1. Direção Espiritual: Como descobrir a minha vocação?
  2. LAUAND, Jean, “Prudência, a virtude da decisão certa - Santo 2 - 2- Tomás de Aquino", Ed. Martins Fontes.
  3. Suma Teológica, II-II, q. 47, a. 13
  4. Mc 8, 35

Nenhum comentário:

Postar um comentário